68-2021
Os Domingos Precisam de Feriados
Toda Sexta-feira à noite começa o Shabat para a tradição judaica.
Shabat é o conceito que propõe descanso ao final do ciclo semanal de produção,
inspirado no descanso divino no sétimo dia da Criação.
Muito além de uma proposta trabalhista, entendemos a pausa como fundamental para
a saúde de tudo o que é vivo.
A noite é pausa, o inverno é pausa, mesmo a morte é pausa. Onde não há pausa, a
vida lentamente se extingue.
Para um mundo no qual funcionar 24 horas por dia parece não ser suficiente, onde o
meio ambiente e a terra imploram por uma folga, onde nós mesmos não suportamos
mais a falta de tempo, descansar se torna uma necessidade do planeta.
Hoje, o tempo de 'pausa' é preenchido por diversão e alienação. Lazer não é feito de
descanso, mas de ocupações 'para não nos ocuparmos'. A própria palavra
entretenimento indica o desejo de não parar. E a incapacidade de parar é uma forma
de depressão. O mundo está deprimido e a indústria do entretenimento cresce nessas
condições.
Nossas cidades se parecem cada vez mais com a Disneylândia. Longas filas para
aproveitar experiências pouco interativas.
Fim de dia com gosto de vazio. Um divertido que não é nem bom nem ruim. Dia pronto
para ser esquecido, não fossem as fotos e a memória de uma expectativa frustrada
que ninguém revela para não dar o gostinho ao próximo...
Entramos no milênio num mundo que é um grande shopping. A Internet e a televisão
não dormem. Não há mais insônia solitária; solitário é quem dorme. As bolsas do
Ocidente e do Oriente se revezam fazendo do ganhar e perder, das informações e dos
rumores, atividade incessante. A CNN inventou um tempo linear que só pode parar no
fim.
Mas as paradas estão por toda a caminhada e por todo o processo. Sem
acostamento, a vida parece fluir mais rápida e eficiente, mas ao custo fóbico de uma
paisagem que passa. O futuro é tão rápido que se confunde com o presente.
As montanhas estão com olheiras, os rios precisam de um bom banho, as cidades de
uma cochilada, o mar de umas férias, o Domingo de um feriado...
Nossos namorados querem 'ficar', trocando o 'ser' pelo 'estar'. Saímos da escravidão
do século XIX para o leasing do século XXI um dia seremos nossos?
Quem tem tempo não é sério, quem não tem tempo é importante.
Nunca fizemos tanto e realizamos tão pouco. Nunca tantos fizeram tanto por tão
poucos...
Parar não é interromper. Muitas vezes continuar é que é uma interrupção.
O dia de não trabalhar não é o dia de se distrair literalmente, ficar desatento. É um dia
de atenção, de ser atencioso consigo e com sua vida. A pergunta que as pessoas se
fazem no descanso é 'o que vamos fazer hoje?' já marcada pela ansiedade. E
sonhamos com uma longevidade de 120 anos, quando não sabemos o que fazer
numa tarde de Domingo.
Quem ganha tempo, por definição, perde. Quem mata tempo, fere-se mortalmente. É
este o grande 'radical livre' que envelhece nossa alegria o sonho de fazer do tempo
uma mercadoria.
Em tempos de novo milênio, vamos resgatar coisas que são milenares. A pausa é que
traz a surpresa e não o que vem depois. A pausa é que dá sentido à caminhada. A
prática espiritual deste milênio será viver as pausas. Não haverá maior sábio do que
aquele que souber quando algo terminou e quando algo vai começar.
Afinal, por que o Criador descansou? Talvez porque, mais difícil do que iniciar um
processo do nada, seja dá-lo como concluído.
Texto do Rabino Nilton Bonder
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